São esquivas e inteligentes. Vigiam os humanos, mas raramente se deixam ver. É na protecção proporcionada pela escuridão da noite que as lontras vivem. E prosperam.
Numa madrugada de um dia de fim de Outono, uma densa neblina cobria o rio quando Zé da Ludovica chegou de uma noite na faina. Já perto do pequeno ancoradouro, uma cabeça rompeu suavemente o espelho de água, mergulhando por breves segundos e aparecendo uma boa vintena de metros adiante, bem perto do barco.
Sem medo, Gisela aguardava pelo peixe que o pescador se habituara a dar-lhe ao romper do dia – um pequeno barbo, um pimpão, uma boga. Desta forma, os pescadores iam, aos poucos, conquistando a lontra que os parecia aceitar como velhos amigos. Gisela retribuía, ficando por ali para gáudio dos que a observavam, enquanto o pescador amarrava o barco com um cabo grosso ao pequeno ancoradouro, arrumava o material de pesca e colocava as capturas num pequeno balde preto.
Foi assim durante um par de meses quase todas as manhãs nas águas do rio Guadiana que correm sob as muralhas da vila de Mértola. Um dia, Gisela desapareceu. “Parece ter andado pela foz da ribeira de Oeiras, dizem que acompanhada por outra lontra”, conta o Zé que, apesar de, à noite, ter chegado a ir à ponte que atravessa aquela ribeira, fazendo a ligação de Mértola ao Algarve, nunca mais voltou a ver Gisela.
É possível que Gisela fosse uma lontra jovem, que se tivesse separado há pouco tempo da mãe e dos irmãos. É também possível que se tratasse apenas de uma lontra menos tímida do que as outras. Isso explicaria o facto de ser tão afoita, porque raras vezes a lontra (Lutra lutra) é tão destemida. Experiências com humanos, nem sempre tão simpáticas como com aqueles pescadores, tornam esta espécie da família dos mustelídeos (como o texugo, o toirão, a fuinha ou a doninha) particularmente difícil de observar no nosso país. (…)
Este texto é um excerto da reportagem da National Geographic Portugal sobre as lontras no nosso país, da autoria de Gonçalo Rosa e Gonçalo Pereira. Texto completo em: Lontras: quando a timidez se alia à inteligência
Fonte: National Geographic Portugal