Será que estamos disponíveis para partilhar o nosso território com a fauna selvagem que nele habita?
Os portugueses gostam de causas e para estas facilmente se mobilizam, pelo menos enquanto se mantém o entusiasmo do momento. No campo da conservação do ambiente, até conseguem ser sensíveis à necessidade de protecção das espécies, em particular se por estas sentirem afinidade.
A resistência começa a surgir quando, para que estas espécies possam existir, são necessárias alterações de fundo à sua forma de viver ou de desenvolverem a sua actividade. Não falo aqui da separação do lixo, ou poupança de água. Introduções importantes na vida dos portugueses, e que já vão fazendo parte do dia-a-dia da maior parte de nós, mas que não implicam grandes alterações na nossa forma de viver. Refiro-me sim quando somos privados de algo que é importante para nós, pelo impacto que isso pode vir a ter na sobrevivência das espécies, ou quando somos forçados a tomar medidas dispendiosas para mitigar esse impacto.
Foi demasiada a fauna selvagem que o nosso país foi votando à extinção, dentro das suas fronteiras. Por termos, pouco a pouco, irrompido no seu território, fragmentando-o e tornando impossível a sua vivência em segurança, pela caça que dirigimos às suas presas, ou mesmo aos próprios animais da sua espécie.
Já há algum tempo que tem sido efectuado um excelente trabalho de recuperação de algumas espécies emblemáticas, com alguns sinais de sucesso. Como a foca-monge-do-Mediterrâneo (Monachus monachus), timidamente a tentar recuperar de uma população que chegou a contar com apenas 6 a 8 exemplares; ou o lobo-ibérico (Canis lupus signatus), cujos defensores se debatem com a impopularidade desta espécie junto de criadores de gado, que muitas vezes confundem os ataques aos seus animais por parte de cães selvagens como se de lobo se tratassem, e não sendo ainda ajudados, na necessária sensibilização das populações, por responsáveis governamentais que sonham com o dia em que poderão vir a caçar esta espécie outra vez. Noutros casos, beneficiámos dos esforços dos nossos vizinhos espanhóis, como no que respeita à cabra-montês (Capra pirenayca) em que, devido à reintrodução de exemplares no seu território e que passaram a fronteira, pudemos voltar a contar com a presença deste simpático herbívoro. Outras espécies, infelizmente, ainda têm muito caminho a percorrer, como o lince-ibérico (Lynx pardinus) ou o abutre-preto (Aegypius monachus).
O caso do lince-ibérico, com um excelente trabalho por parte dos profissionais do Centro Nacional de Reprodução daquela espécie, tem sido o mais mediático. Em particular, e nos últimos tempos, com a reintrodução em território nacional dos primeiros exemplares.
Mas o excelente trabalho de todos estes profissionais, do estado ou de organizações não-governamentais, tem esbarrado constantemente no problema de raiz – a impreparação do nosso país e dos seus cidadãos para aquilo que implica a convivência com estas espécies. Muito recentemente lia nas notícias que mais cinco abutres tinham sido encontrado mortos em Miranda do Douro. Quatro abutres-pretos e um abutre-do-Egipto (Neophron percnopterus), aves pertencentes a espécies ameaçadas e que tinham sido vítimas de envenenamento. Envenenamento que também foi a causa da morte de uma fêmea de lince-ibérico, no passado mês de Março e que continua a ser uma das principais ameaças a muitas outras espécies, como o próprio lobo-ibérico. O veneno, ainda que fazendo parte de uma prática ilegal, é muito usado como controlo de predadores de espécies da caça ou mesmo de animais domésticos. Desde 2004 o Programa Antídoto – Portugal procura fazer frente a esta prática, numa tentativa de inverter esta tendência.
Muitas das actividades que resultam na morte de espécies ameaçadas, não visam as mesmas. No entanto, não há uma sensibilidade naqueles que as praticam para a necessidade de protecção destas espécies. E quando me refiro àqueles cujas actividades (que não se esgotam, de todo, no uso ou não de venenos) chocam com a existência destas espécies, incluo responsáveis governamentais e autárquicos, não apenas o cidadão comum.
Sem esta sensibilização, pela qual muitas organizações lutam no dia-a-dia, o trabalho de todas estas pessoas será infrutífero. Bem podemos trabalhar na reabilitação destas espécies, mas enquanto o país não estiver disponível para trabalhar na mesma direcção, os problemas que levaram ao seu desaparecimento vão continuar a impedir o tão desejado regresso ao nosso território.
Fonte: Visão